Multa De 3.000 Vezes: A Grande Mentira Das Campanhas Antipirataria
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© Renato da Veiga (*)

02/08/2004

(Veja também, ao final desta mensagem, a divulgação da 1ª Semana
de Software Livre de Americana.)

O que mais se ouve dizer a propósito de pirataria de software no
Brasil é que a Justiça não funciona e que, assim, a melhor solução
seria fazer uma réplica do Titanic e mandar todos os juízes e
advogados na viagem inaugural, como propõe um desses sites
engraçadinhos na Internet. Mas é bom que se diga que, se fosse o caso,
muitos empresários mereceriam também uma cabine de primeira classe
nesta jornada rumo ao andar de baixo.

Como advogado, e faço questão de frisar, sou um ferrenho defensor da
lei e da propriedade privada, de modo que não compactuo de modo algum
com a pirataria. Mas daí a concordar com as mentiras divulgadas
publicamente nas bombásticas campanhas antipirataria vai muita
distância. Acho que é chegada a hora de alguém desmistificar a
questão:

Existem, a rigor, dois tipos de pirataria: a primária, que é a simples
duplicação de conteúdo da mídia, e a secundária, mais elaborada, que
envolve a apropriação de programas-fontes e segredos internos de um
produto. A primeira ocorre mais em nível de usuário e tem como alvo
geralmente os produtos padronizados, de prateleira, fabricados pelas
grandes corporações; já a segunda acomete mais as pequenas e médias
empresas, verificando-se geralmente pela ação interna de
colaboradores, que têm acesso aos fontes.

O combate à pirataria primária, que, segundo estimativas, já atinge
cerca de 60% das cópias em uso no mercado, se dá basicamente através
de campanhas publicitárias e ações judiciais, onde as empresas,
reunidas em torno de associações de classe, ao invés de propostas
educativas, tentam atemorizar o usuário irregular com ameaça de multa
de 3.000 vezes o valor de cada cópia pirateada.

Só que isso é uma mentira da grossa, pois a reparação devida, para os
usuários comuns, é apenas e tão somente o valor de mercado das cópias
contrafeitas. A história das 3.000 vezes vem de um dispositivo da Lei
de Direito Autoral que manda o contrafator, que vende produtos
piratas, pagar o valor equivalente ao preço de mercado de uma edição
completa da obra, arbitrada na lei em três mil exemplares, na hipótese
de não ser possível apurar-se o número exato de cópias vendidas
ilegalmente. Em todos os demais casos, isto é, tanto de contrafação
para uso próprio como para fins de venda, a indenização é de um para
um, pois, do contrário, existiria enriquecimento sem causa do
fabricante, isto é, estaria ganhando mais do que ganharia vendendo o
produto.

Quando flagram um usuário irregular, algumas empresas utilizam este
falso argumento para extorquir o infeliz, exigindo até dez vezes mais
do que o devido, dizendo que ainda estão sendo condescendente, em
comparação com a tal multa de 3.000 vezes, e que esta "módica"
compensação seria devida a título de dano moral, o que também é
mentira: dano moral, em matéria de propriedade intelectual, só cabe
quando alguém vende produto falso como se fosse verdadeiro, de modo a
atingir a imagem da empresa frente ao mercado, o que jamais seria o
caso de quem apenas copia irregularmente software para uso próprio.

Para sustentar esta rapinagem, as empresas costumam acenar com duas
sentenças judiciais de primeira instância, uma de São Paulo e outra
aqui de Porto Alegre, onde juízes que obviamente não conhecem a
matéria decidiram favoravelmente a esta tese, em ações que não tiveram
seguimento porque as partes rés se intimidaram e fizeram acordos. Mas
é bom que se saiba que os tribunais superiores vêm matando a pau a
questão, em decisões como esta:


  TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO
 
  Apelação Cível nº 2001.001.27116.
  MICROSOFT CORPORATION X ASSOCIACAO UNIVERSITÁRIA SANTA URSULA;
 
  Direito Autoral. Ação ordinária movida por empresa titular de
  programas de computador. Preliminar de extinção do processo, sem exame
  do mérito, rejeitada, porque, ao contrário do que sustenta a ré, a
  caução foi prestada pela autora, atendido, portanto, o disposto no
  art. 835 da Lei de Ritos. No mérito, restou evidente a violação dos
  direitos da autora, que detém mundialmente a propriedade dos programas
  de computador que somente podem ser usados por terceiros mediante sua
  autorização. No que tange ao cálculo da indenização, devem ser,
  entretanto, observadas as características específicas dos programas de
  computador, não podendo a indenização ultrapassar ao valor da
  aquisição do programa, sob pena de enriquecimento sem causa.
  Provimento parcial do recurso. Votação unânime - julgado em
  16/04/2002


Assim, fica fácil entender por que certas empresas, em um primeiro
momento, fazem vista grossa para a pirataria de seus produtos: é que
as campanhas de regularização formam um canal de vendas dos mais
polpudos, pois se aproveita da desinformação e da fragilidade jurídica
do contrafator pego em flagrante para faturar os tubos. É a verdadeira
doutrina do ladrão que rouba ladrão...

Então, caro leitor, ouça o meu conselho: ande na linha, não pirateie
software, pois você não está sendo esperto, pelo contrário: está
bancando o otário para gente muita mais esperta do que você ! Falta de
dinheiro não é justificativa: vá de Linux, que é melhor e é de graça.
Mas se você for pego com software proprietário em situação irregular,
não se intimide. Defenda-se e jamais aceite pagar mais do que o valor
das cópias em uso. A Justiça lhe dará respaldo, com toda certeza.

(*) Renato da Veiga é advogado

Vinculado ao Dicas-L em 08/09/2004

http://www.Dicas-L.unicamp.br/dicas-l/